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Queda rápida: o colapso da FTX é também um colapso de segurança

Como pode uma empresa que vale 32 mil milhões de dólares evaporar-se da noite para o dia? É o que qualquer pessoa que tenha assistido ao súbito colapso da FTX se perguntará, sem dúvida.

Por Henrique Carreiro . 09/12/2022

Queda rápida: o colapso da FTX é também um colapso de segurança

Só o tempo, e muito trabalho de investigação, permitirá entender completamente o que aconteceu nos bastidores da FTX, uma “exchange” de cripto sedeada nas Bahamas. Mas o impacto está, contudo, a tornar-se claro. Perdas avultadas para os investidores, legisladores em todo o lado a apelar a mais supervisão, e o efeito em cascata noutras empresas do setor.

A FTX possibilitava que pessoas e empresas comprassem e vendessem moedas digitais, detendo milhares de milhões de dólares de depósitos de clientes. O fundador da FTX, Sam Bankman-Fried, também criou um fundo de investimento que negoceia em moedas criptográficas, chamado Alameda Research. As empresas deveriam estar separadas, mas este ano, a Alameda precisou de dinheiro e aparentemente foi buscá-lo aos depósitos de clientes da FTX. Os clientes de FTX ficaram, naturalmente, preocupados com os seus depósitos e apressaram- -se a levantá-los, iniciando uma corrida bancária, e empurrando a FTX para a falência.

A aparente mistura de fundos entre a Alameda e a FTX é claramente suspeita e pode levar a acusações de fraude criminal e a processos judiciais. O novo CEO nomeada para a FTX, que ajudou a gerir a Enron após o seu colapso, disse que nunca tinha visto “um fracasso tão completo do controlo empresarial”.

Em boa verdade, o colapso da FTX não é nada de novo na história dos desaires financeiros, ostentando todas as marcas das corridas históricas clássicas aos bancos. Os ativos são mais bizarros, as estruturas mais bizantinas e tecnologicamente mais obscuras, e a Internet permitiu que o colapso acontecesse de forma extremamente rápida, mas o modelo de falência foi tão banal como as corridas de bancos a partir do século XIX.

Mas este é precisamente o ponto. Em toda a história – bem recente, na verdade – de cripto, a premissa sempre foi que esta era a solução tecnológica que permitiria transparência nas transações e eliminação de pontos de falha singulares. Para todos os efeitos, que eliminaria os problemas dos intervenientes tradicionais do mercado regulado. A garantia de que uma Lehman nunca se voltaria a verificar, se a sua base fosse cripto. Afinal, a FTX veio confirmar que o problema não é a solução tecnológica. O problema é humano, é ganância, desrespeito, negligência, e contra isso não há tecnologia, centralizada ou distribuída, que seja solução.

Nos modelos anteriores, as fraudes eram perpetuadas por detrás de edifícios imponentes, a inspirar respeitabilidade. No modelo atual, é o edifício tecnológico que parece imponente. Mas as falhas são as mesmas: nem o edifício de pedra, nem o edifício criptográfico conseguem fazer algo contra os burlões determinados que deles se servem.

E o facto relativamente à FTX é ainda mais gritante: porque é que as pessoas que confiaram na FTX nunca fizeram as diligências devidas, nunca suspeitaram sequer de estar sedeada nas Bahamas, de todos os sítios possíveis, e lhe confiaram muitos milhões de dólares em guarda? A FTX era gerida a partir de um condomínio em Nassau, sem qualquer semelhança com uma estrutura profissional de gestão de ativos.

O Financial Times dá nota, por exemplo, de que o descalabro era tal que na FTX circulavam chaves privadas em correio eletrónico inseguro. Para compor o desastre, logo a seguir à declaração de falência, cerca de 600 milhões de dólares desapareceram das contas da empresa, alegadamente devido a um ato de “hacking”. Aos utilizadores da FTX foi recomendado que desinstalassem a app, por se tratar de malware.

Se há alguma aprendizagem a tirar deste caso é que a tecnologia, por mais sofisticada que aparente ser é apenas um instrumento e nunca uma solução contra as fraquezas humanas. Outra é que está mais do que na hora de serem feitas as diligências e tomadas as medidas para que tais operações, que se escondem esquemas de Ponzi por detrás de chavões tecnológicos, sejam forçadas a terminar. 


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