Opinion

Operação Cumberland e os desafios legais na Era da IA

A Europol anunciou recentemente o apoio às autoridades de 19 países numa ação de grande escala contra a exploração sexual de crianças, cujos suspeitos estarão envolvidos na distribuição de imagens de menores, fabricadas por Inteligência Artificial (IA). A operação global, chamada de Cumberland, resultou em 25 detenções em todo o mundo e foi liderada pelas autoridades dinamarquesas

Por Bruno Castro, Fundador & CEO da VisionWare. Especialista em Cibersegurança e Investigação Forense . 06/03/2025

Operação Cumberland e os desafios legais na Era da IA

Segundo a informação divulgada pela Europol, o principal suspeito, um cidadão dinamarquês detido em novembro de 2024, geria uma plataforma online onde distribuía o material criado por IA que produzia. Após um pagamento simbólico online, utilizadores de todo o mundo poderiam obter uma palavra-passe para aceder à plataforma e assistir a crianças a serem abusadas.

A Operação Cumberland consiste assim num dos primeiros casos que envolvem material de abuso sexual de crianças fabricado por IA, uma vez que, a rápida evolução das tecnologias IA tem desafiado os sistemas jurídicos de todo o mundo, especialmente, no que diz respeito a crimes digitais emergentes, como é exemplo este caso. No decurso desta investigação, a Europol e a Joint Cybercrime Action Taskforce (J-CAT), sediada pela Europol, prestaram coordenação operacional às agências de segurança envolvidas no caso. Os peritos do Centro Europeu de Cibercrime da Europol também facilitaram trocas de informações e/ou intelligence, contribuindo com análises operacionais juntos dos investigadores nacionais. Embora este caso represente um avanço significativo na cooperação internacional e na partilha de Intelligence, evidenciando a relevância de uma ação coordenada entre diferentes jurisdições, expõe igualmente a fragilidade das legislações nacionais, que ainda não acompanham a sofisticação das novas formas de criminalidade mediadas pela IA. O principal desafio jurídico enfrentado pelos investigadores e tribunais decorre da ausência de um arcabouço legal claro e unificado, que aborde a criminalidade digital alimentada por IA. Na sua grande maioria, as legislações foram concebidas para lidar com crimes convencionais ou até mesmo com crimes digitais de primeira geração, como a posse e distribuição de material ilegal produzido por humanos. Contudo, a produção de imagens gerada inteiramente por IA levanta questões fundamentais sobre a definição do crime, a determinação da existência de uma vítima real e a aplicabilidade de leis que foram escritas antes do advento dessas tecnologias. Em muitos países, o enquadramento legal ainda exige a comprovação de que um menor real foi explorado, o que torna desafiadora a criminalização de conteúdos que, embora explicitamente abusivos, foram criados artificialmente sem envolver diretamente uma criança. 

Estas lacunas, além de serem exploradas pelos criminosos, dificultam a aplicação da lei e a imposição de penas adequadas. Sabemos que, mais detenções são esperadas nas próximas semanas, uma vez que a operação ainda está em curso, no entanto, por exemplo, a defesa pode argumentar que as imagens, por não envolverem vítimas reais, não configuram um crime nos termos tradicionais da lei. No fundo, a falta de legislação consolidada e de regulamentações específicas dificulta a uniformização das decisões judiciais, podendo resultar em absolvições ou penas mais brandas para crimes que, na prática, possuem um impacto social e psicológico significativo, já que, estes factos acabam por reforçar redes criminosas e normalizam condutas predatórias.

Ainda assim, a Operação Cumberland representa um marco positivo ao vir demonstrar a importância da cooperação transnacional na luta contra o cibercrime. A Europol e o J-CAT desempenharam um papel crucial ao coordenar esforços entre diferentes países, e essa colaboração permitiu não apenas a identificação e detenção de suspeitos em diversas jurisdições, como também, a criação de um precedente de investigação de sucesso que pode orientar futuras operações desse tipo.

Relativamente às lacunas legislativas, os Estados-Membros da UE estão atualmente a discutir um regulamento comum proposto pela Comissão Europeia para abordar crimes deste género. Mais do que nunca, é necessário um esforço contínuo para harmonizar legislações e estabelecer diretrizes claras e uniformes, assentes em iniciativas como esta - partilha de intelligence e desenvolvimento de mecanismos eficazes para lidar com as novas ameaças trazidas pelo avanço tecnológico.


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