Opinion
A recente queda generalizada das criptomoedas no seguimento do colapso das chamadas “stablecoins”, isto é, moedas com valor em paridade com moedas emitidas por bancos centrais, nomeadamente o dólar, levou alguns a especular que se estaria prestes a assistir ao declínio derradeiro desta forma de pagamento
Por Henrique Carreiro . 17/06/2022
Mark Twain é sempre citado em tais ocasiões: “As notícias da minha morte são muito exageradas”. O mesmo se poderá dizer nestas circunstâncias. É certo que investidores menos avisados perderam valores incalculáveis com a queda do mercado das criptomoedas, mas o mesmo se poderá dizer sobre os investidores talvez algo mais avisados que investiram no mercado em produtos mais tradicionais. O que saltou à vista é que os fatores de risco para os produtos financeiros tradicionais o são também para as criptomoedas. Não há balas de prata. Agora, esperar que este colapso leve ao final do toda a indústria em torno de cripto? Dificilmente. Há fatores que são amplamente discutidos – nomeadamente a necessidade de mais regulamentação – e outros que são menos, nomeadamente a infraestrutura por detrás da que se tornou uma indústria poderosíssima, com o apoio de governos de todas as cores e de firmas de capital de risco. No dealbar da invasão da Ucrânia pela Rússia, o dinheiro de contribuições fluiu em forma de cibermoedas, e não é preciso um salto de imaginação para entender que eventualmente o mercado do armamento “underground” é hoje, tal como o mercado de muitos outros produtos legítimos ou menos legítimos, dominado pelos pagamentos em dinheiro cripto. Recentemente, foi descoberta e anunciada uma “criptofarm” na mais antiga das cadeias russas – “farm” essa gerida não por detidos mas por guardas. As “criptofarms” multiplicaram- se durante o “boom” de Bitcoin, Ethereum e outras moedas, e constituem enormes investimentos em infraestrutura que não vão ser deitados fora da noite para o dia. Se a atividade principal deixa de ter a rentabilidade esperada, diversificam, procuram novas oportunidades de negócio, como qualquer empresa. Na verdade, muitas delas, por peculiar que nos pareça, podem ser consideradas “startups”, com os mesmos desafios de crescimento e retenção de talento de todas as outras. Mas a infraestrutura está lá – e com uma reviravolta adicional. São “quintas” extremamente otimizadas para lidar com tudo o que são sistemas criptográficos, seja para os codificar, seja para os descodificar. Ou seja, é perfeitamente possível usar tal gigantesco poder computacional para quebrar o que estiver cifrado, o que neste momento é praticamente tudo o que de valor circula pela internet, de informação a conteúdos ou transações financeiras. Os investidores que buscam o retorno do capital investido nestas infraestruturas, que proliferam em locais como a Mongólia ou o Cazaquistão, devido à fraca regulamentação e possivelmente menores custos energéticos, não estarão muitos deles demasiado preocupados sobre a legitimidade da próxima fonte de receitas, desde que estas continuem a fluir. Estes fatores deverão constituir matéria de preocupação, alerta e atuação para toda a comunidade da segurança informática. Com firmeza e sem ilusões perceber que se hoje o “ransomware” e outros ataques são essencialmente pagos através de criptomoedas, no futuro as fontes de receitas procuradas pelos agentes deste “mercado” tenderão a diversificar- se mais do que a concentrar-se. E a diversificação tenderá à existência de um maior número de ataques sobre os quais, por agora, podemos apenas especular, provavelmente sem grande sucesso no resultado da especulação. O que é necessário, isso sim, é perceber o problema: existem milhares de milhões de dólares investidos em infraestrutura que pode ser apontada para quebrar a Internet como a conhecemos e essa infraestrutura está situada em países com fraca capacidade de responder e encerrá-la – ou fraca vontade, mesmo. O que é que daqui pode mesmo correr mal? |