Paulo Viegas Nunes: Dar poder de decisão à máquina “é o Cabo Bojador de podermos lidar com a IA” (com vídeo)
A conferência encerrou com os insights do brigadeiro-general Paulo Viegas Nunes, presidente do SIRESP, sobre a fragmentação e descontinuidade na era digital, impulsionada pela superioridade de informação e pela guerra cognitiva
Por Rita Sousa e Silva .
20/11/2023
A última sessão da conferência ficou a cargo do brigadeiro-general Paulo Viegas Nunes, presidente do SIRESP. A sua apresentação incidiu sobre a superioridade de informação e a guerra cognitiva cuja “interligação provoca a fragmentação e descontinuidade estratégica”.
Nos últimos anos, tem-se observado uma nova “dinâmica que se tem vindo a acentuar” na era digital, assente na “construção do mundo que se autoalimenta quase autofagicamente”.
“As dependências tecnológicas que se vão mantendo e estruturando criam vulnerabilidades”, constata o brigadeiro-general. “Vulnerabilidades essas que ameaçam e comprometem a resiliência das organizações, mas também dos Estados”.
O ambiente de informação “junta” os domínios do “ambiente físico, informacional e cognitivo”, permitindo assim “interligar simultaneamente todos os instrumentos do poder e todos os domínios operacionais”. A Internet é uma esfera “multidomínio”, afetando “não só o ambiente de informação, mas outros ambientes físicos onde a sua intervenção ou ligação se estabelece”.
Superioridade de informação
Atualmente, vivemos em “sistemas e conflitos híbridos”, onde coexistem “uma dinâmica civil com uma dinâmica militar”. Isto está intrinsecamente ligado ao conceito de guerra híbrida, ou seja, a “guerra que não tem forma definida” e é “multiforme, dinâmica e permanente”.
Dois dos principais vetores da guerra híbrida situam-se no ciberespaço: “os ciberataques” e “a guerra de informação ou media”. Perante o desenvolvimento tecnológico, emerge sempre uma questão central: “porquê é que nós avançamos para a tecnologia”. A resposta é clara. “Avançamos porque queremos ter vantagem”, sublinha.
Num ambiente competitivo, o “centro de gravidade é a obtenção da vantagem no domínio da informação”, ou seja, “a tal superioridade da informação”. Cada ator procura “preencher o seu ambiente de informação até ao limite daquilo que necessita para a sua operação” e, muitas vezes, “entra em competição com outros atores” que têm o mesmo objetivo.
“Quando existe conflito, competição ou confrontação, nós temos duas vontades diferentes, com interesses muitas vezes antagónicos, em que um ator se confronta com o outro”, aponta. Quem tem superioridade é o ator que “tiver o seu ambiente de informação mais preenchido para as necessidades operacionais”.
Pirâmide cognitiva e ciclo de decisão
É neste contexto que Paulo Viegas Nunes reforça a necessidade de olhar para a pirâmide cognitiva. “Nós temos capacidade e possibilidade de atuar em vários domínios”, explica.
A intervenção na pirâmide cognitiva passa pela: guerra dos sinais, correspondente ao domínio físico, que “os militares normalmente designam por guerra eletrónica”; guerra da informação, “ou seja, a lógica estruturante, a guerra da sintaxe”; e guerra cognitiva.
Além disto, o presidente do SIRESP apresentou o ciclo de decisão, designado OODA-loop – observar, orientar, decidir e agir – que traz consigo “a decisão em rede”. A interrupção do ciclo de decisão leva à sua ineficiência, que “significa a ineficiência da decisão”.
“Cada um dos ciclos de decisão tem um tempo. Esse tempo, se for mais rápido por um ator do que por outro, dá vantagem em termos operacionais”, explica. “Se eu conseguir ser tão rápido quanto o tempo que um ator demora a observar, a orientar e até a decidir, eu intervenho sobre a realidade antes de ele poder, com a decisão dele, intervir-se ele próprio sobre a realidade”.
Isto significa que “a realidade com que ele vai intervir já é diferente daquela que ele observou e orientou”, ou seja, “entrámos dentro do ciclo de decisão de um adversário”. Neste caso, a superioridade “já não é de informação, é de decisão”.
A introdução da Inteligência Artificial (IA) na equação torna o processo ainda mais “assimétrico”. Esta tecnologia “molda dados” e “molda a informação que alimenta o decisor”. Desta forma, “não só é um problema de tempo, mas é um problema de conteúdo de informação que alimenta o decisor”.
Cibersegurança como força combatente
A Internet é “a zona de interesse para todas estas entidades poderem trabalhar”. Neste sentido, não basta assegurar “o funcionamento normal sem intervenção” dos sistemas de informação e de comunicações. É imperativo garantir a “resiliência do ciberespaço que intersecta todos estes sistemas” – aquilo que se designa “a garantia da missão”.
“Se tivermos uma força que combate, ela necessita desenvolver sinergias para se proteger”, sublinha o brigadeiro-general, esclarecendo que esta necessita de “uma força de proteção que salvaguarde e dê resiliência à atuação operacional”.
Tal como a nível militar, as organizações têm de ter um pensamento semelhante. A cibersegurança desempenha o “papel de força combatente”, ou seja, “é o instrumento de proteção de todos os outros domínios”.
“Qualquer atividade de uma organização que viva num ambiente de informação precisa de cibersegurança”, reforça. “Não é só porque é desejável, é porque é fundamental e absolutamente estruturante da sua atividade”.
Direitos de decisão da IA
O caminho que está a ser percorrido com a IA passa por “mimetizar determinado tipo de ações até um ponto perigoso, em que vamos dar direitos de decisão à máquina porque é mais eficiente a máquina agir” com estes. Isto significa dar-lhe “autonomia da ação”.
Para Paulo Viegas Nunes, este é “o Cabo Bojador de nós podermos lidar com a IA”. “Quando transferirmos direitos de decisão para a máquina, nós perdemos direitos de decisão”, sendo que esta é “muito mais eficiente e rápida”. Desta forma, a IA “favorece a superioridade cognitiva”.
É “por estas razões” que surgem “a fragmentação e a descontinuidade estratégica, porque nós não conseguimos deixar de atuar multidomínio, e atuar multidomínio exige um sincronismo permanente”.
“A resposta a isto é sinergias, cooperação multinível, interagência nacional e internacional”, conclui. “Se falharmos neste trabalhar em rede de forma colaborativa, vamos perder esta batalha, porque a rede é muito mais rápida e a forma de decisão em rede supera largamente a decisão autónoma”.