Analysis

Três anos de guerra na Ucrânia e a ameaça silenciosa à cibersegurança

Mais do que um reflexo da guerra, o ciberespaço transformou-se nos últimos três anos. A invasão da Ucrânia redefiniu a cibersegurança global, impulsionou a sofisticação dos ataques, estreitou a ligação entre cibercrime e interesses estatais e obrigou governos e empresas a adaptar-se a uma nova realidade de ameaças prementes

Por Inês Garcia Martins . 24/02/2025

Três anos de guerra na Ucrânia e a ameaça silenciosa à cibersegurança

As armas são agora computadores, as balas transformam-se em linhas de código e os campos minados dão lugar a redes ocultas. No lado obscuro do digital, a guerra deixa de ser travada apenas no campo de batalha e expande-se para o ciberespaço. Esta segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025, assinalam-se três anos desde o início da guerra na Ucrânia – um conflito que ultrapassa as fronteiras físicas e ganha novas dimensões no domínio digital.

Nos últimos três anos, a cibersegurança deixou de ser apenas uma preocupação técnica para se tornar um pilar estratégico na defesa de Estados e empresas. O conflito na Ucrânia acelerou essa transformação ao demonstrar que ataques informáticos podem ser tão disruptivos quanto confrontos no terreno. Infraestruturas críticas, sistemas governamentais e cadeias de abastecimento tornaram-se alvos preferenciais, enquanto a ciberguerra evolui com o uso crescente de inteligência artificial, deepfakes e novas formas de engenharia social. Assim, torna-se essencial analisar as mudanças que marcaram este período e antecipar os desafios que vão definir o futuro da cibersegurança e da geopolítica digital.

Ciberguerra: um novo paradigma nos conflitos modernos

Nos últimos três anos, assistiu-se a um aumento expressivo de ciberataques direcionados a infraestruturas críticas, como redes elétricas, sistemas de telecomunicações e instituições governamentais, o que para Bruno Castro, Fundador e CEO da VisionWare, “foi o primeiro grande alerta - proteger as infraestruturas vitais da sociedade contra ciberataques destrutivos”. Um dos exemplos mais notáveis foi a atuação do grupo pró-Rússia NoName057(16), que, desde março de 2022, tem realizado ataques DDoS contra organizações na Ucrânia e em países da NATO. Em 2024, verificou-se ainda uma mudança tática dos cibercriminosos russos, que passaram a focar-se na inteligência digital, operando de forma silenciosa para permanecer indetetáveis pelo maior tempo possível. “Este foi outro grande alerta para todos os Estados”, diz, “isto é, os ataques silenciosos, a ciberespionagem e as campanhas de desinformação”.

Os tipos de ciberataques também evoluíram significativamente, segundo o especialista, “os ataques wipers tornaram-se uma das principais armas de guerra no ciberespaço, sendo bastante utilizados para destruir dados e comprometer redes inteiras”. Paralelamente, ataques DDoS massivos ganharam escala e complexidade e visam “perturbar e sobrecarregar websites de órgãos governamentais e instituições financeiras”. Bruno Castro destaca ainda o aumento dos ciberataques direcionados a infraestruturas críticas e cadeias de abastecimento, cujo objetivo é causar disrupção em toda a sociedade.

A guerra influenciou o ecossistema do cibercrime, estreitando a relação entre grupos de ransomware e interesses estatais. De acordo com o CEO da VisionWare, “o grupo Conti, por exemplo, declarou apoio à Rússia, enquanto outros grupos adotaram uma postura mais nacionalista, direcionando ciberataques para alvos considerados hostis ao seu país de origem”. Simultaneamente, campanhas de desinformação tornaram-se mais sofisticadas, utilizando redes sociais, bots e deepfakes para disseminar narrativas falsas e influenciar a perceção pública do conflito.

Engenharia social, deepfakes e inteligência artificial nos ciberataques

A engenharia social e a Inteligência Artificial (IA) têm desempenhado um papel crucial nestes ataques, e a sua combinação tem tornado as ameaças mais sofisticadas e difíceis de detetar. Se antes a engenharia social se focava essencialmente na extorsão financeira, atualmente é usada de forma estratégica para comprometer redes e aceder a dados críticos. Como explica Bruno Castro, “neste contexto, muitos grupos criminosos utilizaram essas técnicas para fins de disrupção, direcionados a alvos específicos como membros do governo e militares, de forma a roubar credenciais e assim obter acesso a redes e dados críticos”.

A inteligência artificial tem também impulsionado campanhas de phishing altamente personalizadas, tornando-as mais convincentes e difíceis de detetar. Segundo o especialista, os “modelos generativos estão a ser utilizados insistentemente para criar e-mails, mensagens e até vozes falsas em ataques de engenharia social”. Além disso, chatbots maliciosos são usados para manipular debates online e amplificar a desinformação, levando a um risco crescente. “O maior risco desta tendência”, alerta Bruno Castro, “é sobretudo a escalada da eficácia dos ataques, tornando cada vez mais difícil, ou mesmo quase missão impossível, conseguir efetivamente distinguir o que é real do que é digitalmente manipulado”.

Deepfakes têm sido usados para criar vídeos falsos de líderes políticos, distorcendo declarações e manipulando a opinião pública. De acordo com Bruno Castro, “campanhas de desinformação, amplificadas por bots e deepfakes, espalham narrativas fabricadas para semear desconfiança, evangelizar falsas doutrinas e políticas, acabando por dividir populações”. Estas campanhas são frequentemente coordenadas com outras formas de poder, permitindo moldar atitudes e comportamentos em larga escala. “O objetivo”, acrescenta, “será o de obter vantagens sobre o adversário e manipular a opinião pública, numa escala anteriormente inimaginável”.

A resposta dos serviços de inteligência

Face a esta realidade, os serviços de inteligência dos Estados têm vindo a adaptar-se através de investimentos “na monitorização de ciberameaças em tempo real”, além disso, recorrem também a IA para “monitorizar grupos criminosos, identificar padrões suspeitos e, assim, tentar antecipar riscos de ciberataques”.

Paralelamente, a cooperação entre agências internacionais tem registado avanços significativos, “resultando em partilhas mais céleres de informações sobre ataques e grupos criminosos”. Além disso, algumas nações têm apostado no recrutamento e formação de equipas especializadas em operações de ciberguerra, tanto ofensivas como defensivas, o que fortalece a capacidade de resposta a ameaças globais.

O futuro dos ciberataques e a nova corrida às armas

No futuro, os ciberataques continuarão a ser uma extensão dos conflitos tradicionais, combinando operações físicas e digitais para maximizar o impacto. A proliferação de IA nestes ataques também deverá acelerar, tornando as defesas tradicionais menos eficazes. Além disso, a tecnologia já é amplamente utilizada em autonomous lethal weapons, robótica e sistemas de reconhecimento de alvos. No caso da Rússia, por exemplo, “é notório o desenvolvimento de drones militares autónomos”.

O avanço de ciberarmas sofisticadas pode intensificar as tensões diplomáticas e desencadear uma corrida armamentista digital, enquanto a ciberespionagem afirma-se como uma ameaça silenciosa e cada vez mais presente. O especialista garante que “esta é uma tendência em ascensão – uma ameaça silenciosa que muitos atores utilizam para obter vantagens, de forma menos visível, mas igualmente, disruptiva”.

Para enfrentar este novo paradigma, as empresas e instituições devem adotar uma abordagem proativa, reforçando a cibersegurança em todas as áreas. “As organizações devem adotar estratégias de defesa mais proativas, incluindo treino intensivo em cibersegurança para colaboradores, implementar um Security Operations Center, algo que constitui sempre uma grande mais-valia, investir no uso de inteligência artificial para detetar comportamentos anómalos, e, claro, investir ainda em serviços de Strategic Intelligence para uma tomada de decisão estratégica, antecipada, consciente e bem informada”, sublinha o CEO e Fundador da VisionWare. Além disso, a cooperação entre o setor público e privado será determinante para fortalecer a ciber-resiliência global e mitigar as ameaças emergentes.


NOTÍCIAS RELACIONADAS

RECOMENDADO PELOS LEITORES

REVISTA DIGITAL

IT SECURITY Nº22 Fevereiro 2025

IT SECURITY Nº22 Fevereiro 2025

NEWSLETTER

Receba todas as novidades na sua caixa de correio!

O nosso website usa cookies para garantir uma melhor experiência de utilização.