Analysis
Olhando para a história do século XX, primeiro tivemos duas 'hot wars'. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo viveu uma 'cold war' entre os Estados Unidos e a União Soviética. Agora, vivemos numa verdadeira 'shadow war'
Por Rui Damião . 22/05/2019
"Nunca quis ser um especialista sobre a Rússia ou trabalhar na CIA", explica George Beebe, atualmente Vice President and Director of Studies do Center for the National Interest, que já trabalhou como diretor do departamento de Russia Analysis da CIA, e garante que "apenas quis ser engenheiro". A sua carreira levou a tornar-se um especialista em cibersegurança relacionada, principalmente, com a Rússia. Isso levou-o, também, a tornar-se special advisor para o vice presidente Dick Cheney (enquanto George W. Bush era presidente dos Estados Unidos) para assuntos relacionados com a Rússia e a Eurásia. No palco principal do DES 2019, que se realiza em Madrid, Beebe fez um paralelismo com um filme de Alfred Hitchcock "North by Northwest" ("Intriga Internacional", em Portugal). O filme tem lugar durante a Guerra Fria, mas não é "o típico filme de espiões". Neste caso, a história centra-se num "cidadão perfeitamente normal" que não está envolvido no mundo secreto da espionagem e que apenas estava "no sítio errado à hora errada". A personagem procura sair deste mundo da espionagem onde foi colocado e acaba por ter um final feliz. "Não falei deste filme para vos dar uma recomendação. Falo deste filme porque seria impossível de se fazer hoje em dia", explica George Beebe. E porquê? Porque a premissa do filme, em que um cidadão comum pode entrar no mundo da espionagem, é "completamente absurda" nos dias de hoje. Shadow War"Não estamos numa 'hot war', como durante a Segunda Guerra Mundial, não estamos numa 'cold war', mas sim numa 'shadow war' que tem lugar nos bastidores", refere o antigo diretor na CIA. "Muito do que se fazia fisicamente no mundo da espionagem pode agora ser feito digitalmente". Ao contrário do que acontecia durante a Guerra Fria, esta Guerra de Sombras é combatida com uma lógica diferente: não tem as mesmas regras que os Estados tinham durante a época da Guerra Fria. E ao contrário do filme "Intriga Internacional", esta Guerra não está a caminhar para um "happy ending". "O mundo da espionagem mudou drasticamente", alerta Beebe. Durante a Guerra Fria, a União Soviética tinha um desafio enorme para conseguir alguns documentos ou algumas informações privadas dos Estados Unidos. Nesta época, os espiões teriam de gastar uma grande quantidade de tempo a, primeiro, identificar alguém que fizesse parte da equipa de uma determinada organização e, depois, a construir uma relação de confiança com essa pessoa para a levar a trair o seu país. Atualmente, tudo o que é preciso fazer é convencer uma pessoa de uma organização carregar numa ligação de um email e, de repente, têm uma grande quantidade de dados dessa organização. E, na verdade, não há muito que a defesa de uma organização ou de um país possa fazer quanto a este problema porque as pessoas erram e vão fazer coisas "não muito inteligentes" que "tornam os sistemas vulneráveis". Com isto em mente, é possível perceber que os riscos para uma equipa que se tenta infiltrar numa organização com o objetivo de conseguir dados secretos é relativamente baixo, explica George Beebe. "Há uma grande disparidade entre os principais benefícios e os principais riscos de entrar numa organização e, como tal, as pessoas que procuram estas informações serão muito mais agressivas". Linhas cada vez mais ténuesDurante a Guerra Fria, as organizações de inteligência focavam-se nos governos, num mundo de organizações de inteligência que se opunham para defender os seus interesses, os seus laboratórios de investigação ou os seus arsenais de armas e os cidadãos tinham apenas um vislumbre deste mundo através dos filmes. Numa era de ciberespionagem, as linhas que separam o mundo da espionagem e dos cidadãos comuns são cada vez mais ténues. "As nossas infraestruturas críticas, como estações de tratamento de água ou sistemas de telecomunicações, juntam as organizações públicas e privadas. Se estas infraestruturas forem comprometidas, há grandes implicações para a segurança nacional", refere o antigo diretor na CIA. Antes, para roubar segredos de um Estado, as agências de inteligência focavam-se em organizações governamentais. Atualmente, muitas das inovações tecnológicas chegam através de startups, "de aceleradores privados". Como tal, torna-se mais fácil roubar (alguns) segredos através de startups do que diretamente através das agências governamentais. "O que isto significa é que os mundos privado e público, o mundo dos espiões e o dia-a-dia, estão cada vez mais perto", refere. Um mundo conectadoAo contrário do que acontecia durante a Guerra Fria, já não há ações isoladas. "Numa rede mundial, estamos todos conectados. Não podemos ir atrás de uma coisa sem ir atrás das outras partes. Tudo o que façam neste mundo conectado tem - inevitavelmente - implicações para o resto do sistema", alerta George Beebe. Para o público em geral, isto significa que têm um lugar na fila da frente para a tal shadow war que está a ter lugar. As pessoas podem perceber o estado desta guerra. Ainda que seja, como foi referido, uma guerra que tem lugar mais nos bastidores do que à frente das pessoas, há notícias do que se está a passar em todo o mundo, de mais ataques a outros Estados, de mais ataques a grandes organizações. Aqui, repete-se a velha máxima de não é se vamos ser atacados, mas sim quando. Não há nenhuma organização que esteja livre dos perigos que existem num mundo cibernético. O mesmo se aplica a um Estado, seja ele de que dimensão for. |